Você está sendo real com você mesma?

1

Eu amo correr. Quando corro, sinto uma liberdade indescritível; é como se a corrida fosse minha meditação em movimento. No início, esse sentimento era puro e genuíno. Mas, ao entrar no mundo das competições, algo mudou. A corrida, que antes era fonte de alegria, transformou-se em uma obrigação. Conquistei a meia maratona, sim, mas a alegria deu lugar à frustração quando os longos treinos de fim de semana não saíam como planejado.

Então, um dia, veio a lesão, e eu precisei deixar a corrida de lado. Foi um momento difícil, mas também uma oportunidade de me abrir para novos esportes e experiências. Percebi que treinar para uma meia maratona ou uma maratona inteira exigia uma dedicação que, naquele momento, eu não podia dar.

Hoje, a corrida voltou a ser uma fonte de prazer na minha vida. Corro apenas 5 quilômetros agora, mas é o suficiente para me sentir viva e conectada com o que amo. Há algo de mágico em correr nas frescas manhãs de outono ou inverno em Miami, quando o ar é suave e o mundo parece em paz.

No final do ano passado, em meio a desafios e encerramentos de ciclos, eu estava cansada, buscando respostas para questões que pesavam em minha vida. Em uma manhã, enquanto calçava meus tênis e ajustava meus fones de ouvido, sentia-me dividida por dentro. Saí para correr, tentando clarear a mente, e foi então que, durante o meu trajeto, avistei um homem em uma cadeira de rodas, com sua vida inteira resumida em sacolas plásticas. Ele me chamou e pediu ajudá-lo a chegar até a uma estação de metrô que tinha por ali. Sem hesitar, disse sim. Enquanto o empurrava, ele fez perguntas sobre minha vida – se eu era casada, se tinha filhos, o que fazia. E então, como se pudesse ler meus pensamentos, começou a falar sobre as questões que eu debatia internamente. Suas palavras eram respostas que eu nem sabia que precisava ouvir. Lágrimas silenciosas desciam pelo meu rosto enquanto eu o escutava. Chegamos ao destino, e ao perguntar seu nome, ele respondeu: “Eu sou o Genius”. Sorri e disse: “Eu sou a Uli”. Ele agradeceu e disse: “Uli, eu poderia ser seu avô”. Rimos juntos, e eu me despedi dizendo: “Genius, você é meu amigo”.

Duas semanas depois, lá estava eu no mesmo trajeto, e lá estava ele novamente, tentando organizar suas sacolas. Fui até ele e perguntei se ele se lembrava de mim. Ele respondeu com um sorriso: “Você acha que estou caduco? Claro que lembro de você, Uli. Venha, me ajude com essas sacolas e me leve até a estação novamente”. Nesse dia, já mais serena, conversamos sobre a vida e rimos juntos. Depois disso, continuei correndo pelo mesmo trajeto, sempre na esperança de encontrá-lo, mas ele desapareceu por um tempo. Eu me perguntava onde ele estaria, se estava bem, se ainda estava vivo. Até que um dia, sentindo que o veria, lá estava ele novamente. Disse: “Genius, onde você estava? Estava com saudade de você.” Ele sorriu e conversamos sobre Deus, sobre o universo, e ele trouxe mais uma vez as palavras que eu precisava ouvir.

Semanas se passaram sem que eu visse Genius. Até que, em um domingo, lá estava ele, no mesmo lugar de sempre. Parei, como de costume, e conversamos. Perguntei se ele precisava de ajuda com algo. Ele me pediu que comprasse algo para ele comer, mencionando um mercado do outro lado da rua e insistindo em me dar o dinheiro para as compras. Eu recusei, dizendo que usaria meu próprio dinheiro. Ele não queria que eu gastasse com ele, mas naquele dia, minha paciência estava curta. Conhecia bem a área e sabia que não havia mercado algum por ali que vendesse as coisas específicas que ele queria, como geleia de morango com pouco sódio. Mesmo assim, anotei a lista.

Decidi comprar com meu dinheiro, tentando explicar: “Genius, não há mercado do outro lado.” Mas ele insistia que havia. Sem carro, a tarefa parecia mais complicada. Atravessando a rua, olhei ao redor e, como esperava, não encontrei nada. Sem paciência, voltei para casa e deixei para lá.

Na mesma semana, em uma sexta-feira, enquanto caminhava por Brickell, avistei Genius. Senti meu rosto arder de vergonha por não ter cumprido minha promessa. Nunca tinha visto aquele homem em nenhum outro lugar além do meu trajeto de corrida. Tentei passar despercebida, mas ele me chamou em voz alta: “ULIIIII!” Envergonhada, fui até ele, pedindo desculpas. Com sua habitual sabedoria, ele disse: “Uli, você não precisa me pedir desculpas. Você sabe o que fez e veja que engraçado: Deus nos colocou juntos novamente. Você não acha que Ele está tentando nos dizer algo?”

Em choque, mas aliviada, agradeci por essa nova chance. Conversamos honestamente, e ele sugeriu irmos ao 7-Eleven do outro lado da rua. Genius fez outra lista de compras, e enquanto percorríamos os corredores, ele queria levar a loja inteira. Até que, finalmente, disse: “Está suficiente, Genius.” E rimos juntos. Ao nos despedirmos, ele me disse: “Uli, eu ainda amo você e você é minha amiga.”

Saí dali com o coração leve e agradecido por mais uma lição de humildade e amizade que Genius, havia me proporcionado.

Recentemente, em uma de minhas corridas matinais, sentia meu coração pesado, buscando respostas de Deus sobre as transformações que desejava para minha vida. Enquanto me aproximava do lugar onde costumava encontrar o Genius, uma intuição suave me dizia que o veria novamente. E lá estava ele, como uma figura constante e reconfortante em minha jornada.

A primeira coisa que ele disse foi: “Uli, você está sendo real com você mesma?” Naquele instante, todas as minhas dúvidas se dissiparam. Suas palavras ressoaram profundamente, como se tivessem sido enviadas diretamente do universo para acalmar minha alma. Conversamos novamente sobre Deus, e ele, com sua sabedoria habitual, pediu que eu lhe ensinasse algo novo, desejoso de aprender mais sobre a vida e o mundo. Com um sorriso travesso, ele compartilhou um pequeno segredo: “Eu tenho 10 dólares,” disse ele, rindo.

Ao me despedir, com o coração leve e grato, disse: “Tchau, Genius”. Ele olhou para mim com um brilho nos olhos e corrigiu: “Não me chame de Genius. Esse não é meu nome. Me chame de Saint Domingos, pois Domingos é o meu verdadeiro nome.” E assim, com esse novo entendimento, me afastei, carregando comigo não apenas suas palavras, mas também um sentimento renovado de autenticidade e conexão divina. Fui tomada por uma profunda reflexão. Quantas vezes, em nossas vidas, deixamos de ser reais conosco mesmos? Quantas vezes escondemos nossos verdadeiros sentimentos e desejos por medo ou insegurança, temendo o julgamento alheio? Ser real exige coragem, mas acima de tudo, um amor profundo e incondicional por nós mesmos. É um ato de autoaceitação e respeito pela nossa essência.

Compreendi que ser autêntico é uma jornada divina. No fim das contas, não se trata do que os outros pensam ou esperam de nós. É um diálogo íntimo e silencioso entre você e Deus. A verdade sobre quem somos e o que realmente queremos está escondida no fundo de nossos corações, esperando para ser descoberta e honrada. E é nesse encontro com nossa verdade interior que encontramos paz e propósito.

Assim, aprendi que a autenticidade não é apenas um caminho de amor-próprio, mas também de devoção. É reconhecer que nossa existência é um presente divino, e que viver de acordo com nossa verdade é uma forma de honrar esse presente. É uma dança sagrada entre o ser e o universo, onde cada passo, por mais pequeno que seja, é um ato de fé e amor.

Uli Oliveira